By julho 17, 2023

Foto: arquivo pessoal

“Tudo belo?”. É assim que Mauro Lúcio Costa, mineiro de 58 anos, cumprimenta quem chega até ele. Não foi diferente comigo na entrevista para a produção deste texto. Nos próximos noventa minutos – o triplo do tempo que havíamos combinado – falamos de muitas coisas, inclusive de gado.

Visto por muitos como um pecuarista fora da curva, Mauro Lúcio fala de grama, de paisagismo, de direitos humanos e trabalhistas, de princípios, de espiritualidade e de reciprocidade.

É a partir desse conceito – da reciprocidade -, que se explica sua relação tão especial com sua atividade. Mas antes de chegar nesse assunto, é importante voltar uns 20 anos no tempo para explicar melhor quem é o proprietário da Fazenda Marupiara, em Paragominas, no Pará.

Reconhecido entre os pecuaristas pela preocupação ambiental, o produtor lembra ter tido o primeiro contato com a ideia de sustentabilidade no meio da maior crise até então vivida pelos fazendeiros de sua região, o Pará. “Minha mudança começou em 2002, com a morte do braquiarão [Brachiaria brizantha], o melhor capim que eu já vi”.

No início dos anos 1980, quase todos os produtores de gado começaram a plantar este tipo de capim. “Chegou a um ponto que mais de 95% dos pastos eram formados por ele. Mas aí apareceu um fungo, o Pythium, e começou a matar o braquiarão de todo mundo. Foi assustador. A saída para salvar a produção era reformar as fazendas e começar a plantar outros tipos de capim. Porém, o que muita gente fazia era abrir novas pastagens”. Mas já naquela época, Mauro Lúcio se recusava a desmatar mais. Preocupado em entender a causa da “epidemia”, procurou especialistas que propuseram mudanças no manejo do capim e ficou claro para ele que a monocultura de um único tipo de capim levou àquela situação.

Quase que sem perceber, Mauro Lúcio começava ali uma nova relação com a pecuária que o levaria se tornar referência e, talvez, um dos precursores em pecuária sustentável no Brasil. Firme em sua posição de não derrubar mais árvores, ele começou a pensar em formas de conseguir mais produtividade no mesmo espaço. Ao mesmo tempo, em que se apaixonava pela ideia de preservar e plantar árvores na sua propriedade.

E agora chegamos novamente ao conceito de reciprocidade. Mauro conta que nos últimos 20 anos plantou entre 50 e 60 mil árvores. “Mas aí a natureza mesmo deve ter plantado duas, três vezes mais do que eu. Todo mundo fala que o que eu faço é ambiental. Pra mim, é um paisagismo”. Das árvores, Mauro passou às plantas e começou de fato, a “enfeitar” sua propriedade.  “Eu comecei pela entrada da fazenda. Aí, sabe o que a natureza fez? Ela começou a plantar nas minhas cercas. De uma maneira muito mais bonita do que a minha”.

O fazendeiro comenta ter visto naquilo uma forma da natureza agradecê-lo pelo cuidado. “Comecei a tratar bem do meu capim, do meu solo, e quanto mais eu me preocupo com a natureza, mais ela se preocupa em me devolver. E é por isso que não tenho um ano que produzo menos que no ano anterior. Sempre produzimos mais”.

Para evitar desmatar sua propriedade “por princípio e não por causa de lei”, Mauro passou a intensificar sua produção e nunca mais parou. “Quanto mais eu ia melhorando e dividindo o espaço para o pastejo rotacionado, mais a produtividade aumentava. No começo eu trabalhava com quatro cabeças por hectare, depois cheguei a cinco, a seis, e já estou me preparando para ter dez cabeças por hectare”.

Além de nunca mais ter deixado de fazer o pasto rotacionado, Mauro também sempre prezou pelo bem-estar animal. Bem cuidados, bem alimentados, com acesso à água fresca e muito espaço limpo e sombreado, seus mais de dois mil bois circulam pelos piquetes e se desenvolvem saudáveis.

Mauro faz questão de treinar e acompanhar o trabalho de seus funcionários que seguem suas orientações e cuidam do gado como ele cuidaria. “Uma energia que tem na minha fazenda é que todo mundo se sente meio dono daquilo. A natureza é muito presente e faz muitas coisas, todo mundo acha bonito participar. Todo mundo é feliz vivendo naquele ambiente”.

Muito conectado à espiritualidade e, novamente, à ideia de receber aquilo que dá, o pecuarista afirma lidar com seus funcionários com o mesmo carinho e respeito que gostaria de receber. “Não tem lei trabalhista que vai obrigar que o nosso relacionamento seja afetuoso. De que maneira ele vai trabalhar pra mim. É com o coração, com bons sentimentos ou é só com a mão pra fazer aquilo de qualquer maneira? Se você se orientar pelo princípio do amor, da compaixão e se estiver preocupado com as pessoas, tudo flui de outro jeito”.

Mauro conta que já se orgulhou de ter funcionários com 20, 30 anos de casa. Hoje, ele pensa diferente. “Eu falo pra eles ‘quero que você fique comigo uns três anos. Depois disso, você tem que ser capaz de tocar um negócio seu’. Agora, se ele não quiser fazenda, quiser ter uma oficina, um restaurante, não tem problema. Eu quero é que eles desenvolvam a cabeça de empreendedor”.

O fazendeiro acredita ainda no aprendizado contínuo e na possibilidade de fazer de seus funcionários treinadores ou multiplicadores de seu método de tratar o gado e gerenciar sua propriedade. “Todo santo dia eles estão aprendendo e fazendo alguma coisa. E não é que eu quero soltar eles no mundo de qualquer jeito. A ideia é que cada um possa ir pra um lugar em que as pessoas vejam o que ele faz e digam: ‘Ah lá o doido’. Só que vão começar a ver que o ‘doido’ está mais feliz e ganhando mais e vão querer saber como faz aquilo”.

Para Mauro, “a pecuária é uma atividade fantástica e com muita oportunidade”. Entretanto, avalia que ainda há muito a fazer. “O mundo evoluiu demais. Mas nós, pouco. Em manejo, em relacionamento humano, em qualificação. Temos um campo muito grande. Temos que pensar em coisas inovadoras. Fazer algo diferente que possa trazer benefícios para o meio ambiente e para as pessoas”.

Por fim, o pecuarista lembra que começou a trabalhar em fazenda “porque gostava de olhar boi, de engordar boi”. “Depois, a partir de 2002, tive que olhar muito mais o capim, e hoje em dia, eu olho muito mais as pessoas. Para mim, o boi é um subproduto. O que quero mesmo é treinar, melhorar pessoas e, se possível, transformar suas vidas. Posso até ser um sonhador, mas pelo menos, estou sonhando. Melhor do que ficar só resmungando”, conclui, com o sorriso aberto e o mesmo bom humor do começo da nossa conversa.